quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Miguel Trindade, o comunista que veio de Angicos (I)

Miguel Trindade, o comunista que veio de Angicos (I)

Miguel Trindade Filho herdou o nome do pai, que por sua vez herdou do avô, Miguel Francisco da Costa Machado. Costumava dizer, em face de alguns modernismos: "Eu não sou de 12, eu sou de 02!". Ele nasceu em Angicos, em 21 de março de 1902. Nasceu no mesmo dia e mês que seu padrinho José Anselmo Alves de Sousa. Logo cedo, aos 16 anos, ganhou o mundo sem ter tido qualquer educação formal. Tornou-se autodidata. Teve uma vida de muito sacrifício.

Em 1921 foi admitido como trabalhador, nos Correios e Telégrafos, para servir na Estação de Angicos. Seguiu para Jardim de Angicos em 1923. Foi transferido para Pernambuco em 1926. A partir de 1 de fevereiro de 1936 esteve afastado do trabalho.Exonerado em 1936, só retorna ao trabalho em 1940, por decisão judicial. Somente agora nas minhas pesquisas tive conhecimento do que ocorreu nesse período, principalmente por informações do seu sobrinho, João Batista de Mello Pinto. Andrade Lima Filho no seu livro "China Gordo" (Agamenon Magalhães e sua época) relata o que se segue:

"Minha prisão era simples formalidade. Todavia, preso, eu cometera o maior dos crimes: identificara o odor sagrado do regime. Permaneci apenas duas horas no isolamento. Às seis, vieram me buscar. O diretor do Presídio, Cel. João Nunes, me mandava convidar para jantar com ele em sua residência, situada no pavimento de cima. A princípio estranhei o convite, mas quando cheguei lá compreendi a razão: meu pai, amigo de João Nunes, lá estava. Fora me visitar, levando alguma roupa, frutas e biscoitos. O velho jantou conosco. Quando ele se retirou, voltei à minha jaula. Já não era a mesma. Tinha idêntica exigüidade, uma exalação de mofo igual, o fedor da outra. Mas havia ali, pelo menos, calor humano. Habitavam-na três comunistas que seriam daí por diante meus companheiros de prisão por longo tempo. É curioso: o cárcere, que não conhece a aritmética, soma quantidades heterogêneas. Fizemos logo boa camaradagem. Os pólos políticos se encontravam sob aquele meridiano sombrio. Tocavam-se os extremos. Dois deles eram boas praças, idealistas sinceros, a quem, apesar das nossas divergências então acirradas, afeiçoei-me logo. Um, o marinheiro José Leite, que mais tarde eu voltaria a encontrar na Assembléia Legislativa feito deputado. O outro, o Trindade Júnior, um telegrafista norte-riograndense, baixote, loquaz, muito lido. Trindade conhecia razoavelmente Marx e sabia de cor todo o "Eu" do Augusto dos Anjos. Mas quando ele vinha com a teoria da "Mais Valia", eu cortava logo a doutrinação, dizendo: - " Marx não, vamos ao Augusto". Ele ria e não parava mais de recitar até que chegava a hora da "gororoba", a péssima comida dos presos, de que não vim a provar, entretanto, pois a minha, que dividia com eles, vinha em quantidade da casa da noiva. Quanto ao terceiro, um paraibano encrenqueiro e rixento chamado Anastácio, antipatizei logo com ele: era um delator. Toda vez que o pobre moço era chamado para o interrogatório no DOPS, já podíamos esperar, à noite ou pela madrugada, a chegada de novas levas de prisioneiros: ele dava o serviço. Decorridos 29 dias nessa rotina, houve uma mudança de cela. Meus companheiros foram removidos para o raio oeste, onde se encontravam os comunistas graduados, entre os quais Silo Meireles, colaborador íntimo de Luiz Carlos Prestes."

Agora, aos 61 anos de idade, tomo conhecimento desta narrativa para mim desconhecida.   

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