segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Provedor, a cadeira rasa e o Reverendo Pároco

Por João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG

No fim do século XVIII não havia televisão, computador, máquina fotográfica, e nem campeonato de futebol, e o tempo sobrava para intrigas. Sem e-mail, facebook, fale conosco e 0800, as pequenas coisas subiam, através de cartas, até a Alteza Real, lá em Lisboa.

Pois bem, em 1 de fevereiro de 1798, o Provedor da Fazenda Real e Vedor Geral de Gente de Guerra da Capitania do Rio Grande, Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, expedia duas correspondências, uma para o Ministro do Reino, Marquês da Vila Nova de Cerveira, D. Thomaz Teles da Silva, e outra para a Rainha D. Maria I.

Para D. Thomaz escreveu: A demasia do Reverendo Vigário Feliciano José Dornelles, escandalizando o povo, e caráter dos cargos que ocupo de Provedor Real da Fazenda, e mais anexos, me obriga a representar a Sua Majestade Fidelíssima para evitar a violência de mandar publicamente, em ocasião de solenidade festiva, tirar da Igreja a cadeira rasa de meu assento, sempre costumado aqui, na cidade da Paraíba, e Pernambuco, e humilhado suplico a Vossa Excelência a esmola do despacho para cessar o ímpeto, e odiosa violência do dito Pároco, e para a tranqüilidade necessária, de que abusa, Cidade do Natal, 1 de fevereiro de 1798.
Beija as mãos o mais infeliz e indigno Provedor do Rio Grande do Norte, reverente, fiel e menor servo, Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim.

Para a Rainha D. Maria escreveu o Provedor: Senhora, tenho a honra de servir a mais de trinta e dois anos o cargo de Provedor da Real Fazenda com os anexos, e por Graça de Vossa Majestade Fidelíssima estou conservado e sendo equivalentemente estimado; no ano próximo passado experimentei do Reverendo Vigário da Matriz desta Capitania, Feliciano José Dornelles, a pública desatenção de mandar tirar da Igreja, em dia de Festividade, a cadeira rasa de meu assento, sempre praticado, antiqüíssimo por estilo de mais de cem anos, aqui observado, na cidade da Paraíba, e Pernambuco, com escândalo do Povo, de propósito, e caso pensado do dito pároco, que já havia prometido de o fazer sem me chegar noticia, nem fundamento algum.

Esta violência me tem impedido de ir a Matriz, enquanto não fôr dada a providência devida aos meus cargos, idade, e graduação de licenciado na Faculdade dos Sagrados Cânones pela Universidade de Coimbra, e posse imemorial, pela retidão, e (ilegível) de Vossa Majestade que Deus Guarde, para bem e sossego de seus fiéis vassalos. Cidade do Natal, 1 de fevereiro de 1798. Provedor da Fazenda Real e Vedor da Gente de Guerra, da Capitania do Rio Grande do Norte, Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim.

As providências devem ter sido enviadas para nosso capitão-mor, Caetano da Silva Sanches, através do Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Conde de Linhares, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, pois aquele respondeu a este, como segue:
Recebi a respeitável Carta de Vossa Excelência, de 25 de agosto de 1798, para efeito de ser repreendido o Reverendo Pároco desta Freguesia, Feliciano José Dornelles, por assim ser servida Sua Majestade, pela representação que fizera o Provedor da Fazenda Real desta cidade Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, pela pública desatenção que com ele tinha praticado mandando tirar da Igreja uma cadeira rasa, em que o dito Provedor, e seus antecessores estavam na posse quando assistiam as públicas festividades, ordenando, por fim, a Mesma Senhora, que eu repreendesse ao referido Pároco por este fato e lhe ordenasse que fizesse imediatamente restituir a cadeira ao seu antigo lugar, para que o mesmo Provedor fosse conservado na sua posse.

Em observância da dita Respeitável Carta mandei vir o dito Reverendo Pároco e lhe participei  todo o seu contexto, do qual me respondeu que era falso, e que havia mostrar a Sua Majestade o contrário: eu lhe repliquei dizendo-lhe mal poderia ele mostrar o contrário sendo aquele acontecimento tão público em dia de festividade, e nada mais me respondeu.

O dito Reverendo Pároco só poderá pôr na presença de Sua Majestade o contrário, como diz, deste fato, com alguns documentos faltos de verdade, como seja do Padre Miguel Francisco do Rego Barros, seu parcial, e com gênio propenso para intrigas, como o tem mostrado, e de outros da mesma condição. Este acontecimento, Excelentíssimo Senhor, foi todo verdadeiro, menos no ponto de dizer que mandara o dito Pároco tirar da Igreja a cadeira, porque ainda não estava dentro, e sim, chegando o fâmulo do dito Provedor com ela a porta, e o dito Pároco na mesma esperando para dizer não queria a cadeira dentro da Igreja, como o fez, executando o que antes já dizia o havia fazer, e depois de feita a dita desfeita disse que consentiria a cadeira na Igreja se Sua Majestade assim o determinasse. Deus Guarde Vossa Excelência. Cidade do Natal do Rio Grande do Norte, 1 de Março de 1799. Caetano da Silva Sanches.

Esse Caetano foi quem doou, segundo Câmara Cascudo, aquele galo que está na torre da Igreja Santo Antonio.

Dona Maria da Apresentação, domiciliária no Sertão de Panema, esposa do Provedor acima, em 1783, tinha encaminhado para D. Maria I, solicitação de provisão contra seu marido para libelo de divórcio.

Já o Padre Dorneles, nosso conhecido de outro artigo, recebeu de Câmara Cascudo, em Velhas Figuras, comentário que difere do que já vimos por aqui: “A tradição representa-o pequeno e magro, andando depressa, muito pálido, extremamente amável e caritativo”.

O Padre Miguel Francisco do Rego Barros era filho de Mestre de Campo Francisco Machado de Oliveira Barros e Dona Antonia Maria Soares de Mello, e irmão de Joaquim José do Rego Barros que presidiu a nossa Província. Ele faleceu em 1816, com a idade aproximada de 50 anos.  Dorneles e Joaquim José foram membros do Governo Revolucionário de André de Albuquerque Maranhão, em 1817.