segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Colonização e povoamento de Apodi (II) - Curraleiros versus gentio indígena

Marcos Pinto

Nos primeiros  tempos  de  colonização  européia  no  RN, via  Bahia (Região do  rio São Francisco)  e  Pernambuco, a  região  do Apodi  não  apresentou  efetiva  ocupação  territorial, tendo  em  vista  a  forte  resistência  indígena  e  as  barreiras  naturais    que  dificultavam  o  acesso.  Foram  duas  as  correntes de  povoamento  do  Apodi:  A  primeira  veio  de  Pernambuco, passando  pela  Paraíba, de  onde  desciam  pela  antiga  "Estrada  Real",  que  demandava  para  a  região  jaguaribana. Manoel  Nogueira  seguiu  o  trajeto  desta primeira  corrente.  A  segunda  veio  pela  região  do  Assu, onde  no  ano  de  1686  ficou  aquartelado  o  famoso  "TERÇO  DOS  PAULISTAS", comandado  pelo  octogenário  Manuel  de  Abreu  Soares.
 No livro  de  REGISTRO  DAS  SESMARIAS  DO  RN, consta  a  concessão  de  Carta  de  Data  de  Sesmaria  concedida  em 19  de  Fevereiro  de  1680  a   Manoel  Nogueira  Ferreira, João  Nogueira Ferreira, Antonia de  Freitas Nogueira, e  seus  companheiros/requerentes   Domingos  Martins  Pereira, Capitão  Bartolomeu  Nabo  Correia, Alferes  Gonçalo  Pires  de  Gusmão, Capitão  Luis  Braz  Bezerra, Capitão  Luiz  Antunes  de Farias  e  Manoel  Roiz  da  Costa, cuja  concessão  doava  três  léguas  de  terras  à  cada  requerente, cujas  terras  englobavam  os  rios  "Piranhas"  e  "Guaxinim", na  região  do  Assu.  Conforme consta  no mesmo  livro  de  sesmaria, estes  requerentes  desistiram  de  povoarem  as  terras  que  lhes  foram  concedidas, no  mesmo  ano.  Ocorre  que, já  no  dia  19  de  Abril  de  1680  Manoel  Nogueira  e  estes  mesmos  companheiros  recebem  a  concessão  em  Apodi, que  os  índios  denominavam  apenas de  "Pody".  Diante  este  cenário, resta  a  indagação:  Teria  Manoel  Nogueira  e  seus  irmãos  e  demais  requerentes  estado  na  região  do  Assu  antes  de  aportarem  em  Apodi ?  No requerimento  dão  a  entender  que  sim, conforme  afirmam: "...Pela  qual  razão  querem  povoar  nesse  sertão  e tem  dado  combate  aos tapuias  para  lhes  mostrar  onde  há  terras  desaproveitadas....querem  povoar  ainda  que  seja  com  risco  de  suas  pessoas  e  fazendas, por serem  paragens  ermas  e  despovoadas, donde  os  antigos  nunca se  atreveram  a  povoar...".   Observe-se  que  também  era  comum  o  fato  de  que  dois  ou  três  bravos  colonizadores  exploravam  as  terras  e  quando  as  requeriam  acrescentavam  nomes  de  amigos  e  parentes, para  açambarcarem  vastas  extensões  de  terras,  que  deram  origem  aos  latifúndios.
A verdade  é  que  o  bravo  MANOEL  NOGUEIRA  e  família, acompanhados  por  alguns escravos  tiveram  uma  vida  de  correrias  e  tropelias, no  enfrentamento  da  indiada  rebelde.  Davam, apanhavam, iam  embora, retornavam, sendo  certo  que  só  tiveram  uma  certa  tranquilidade  quando  o  famoso  "TERÇO DOS  PAULISTAS"  fez  uma  longa  incursão  até  a  lagoa  Pody, no ano de  1689, conforme  afirma  o  celebrado  e  respeitado  historiador  brasileiro  ERNESTO  ENES, no volume  127  da  Coleção "Brasiliana": "...Pedro de  Albuquerque  Câmara, Bernardo  Vieira  de  Melo, Valentim  Tavares  Cabral  e  Agostinho  César  de Andrade  tomaram  parte  na  marcha  que se  fez  do  Olho  d'água  aos  rios  paneminha  e  panema  grande, até  a  lagoa  Pody.  No  combate da  lagoa  do  Apody  estiveram  outros  soldados  como  João  do  Monte" . Vide (pág. 409)  e  Luiz da Silveira  Pimentel (pág. 269).
A saga  dos  NOGUEIRA  teve  início  em  1680, continuando  até  o  dia  11  de  Junho de  1685, quando  retornaram  à  Paraíba  em busca  de  recursos, a  fim  de darem  continuidade  aos  trabalhos  de  exploração  do  novo  território. Em 17  de  Novembro de  1688  ocorreu  o  famoso  embate  entre  a  família  NOGUEIRA  e  os  índios  Paiins, na  margem  da  lagoa  do  "Apanha-Peixe", onde  tombaram  mortos  os bravos  João  Nogueira  e Balthazar  Nogueira, forçando  o  grupo  familiar  a  debandarem  em  fuga  para  a  região  jaguaribana, no  Ceará.  A  indômita  ANTONIA  DE  FREITAS  NOGUEIRA, que  chegara  ao  Apodi  em  estado  de  viuvez, casou  no  ano  seguinte - 1681, com  o  português  Manuel  de  Carvalho  Tinoco, sendo  certo  que  em um  dos  livros  de  registro  de  batizados  constante  do  acervo da  Igreja-Matriz  de  N. Sra.  da  Apresentação, da  cidade  de  Natal, consta  a  presença  deste  casal  residindo  nas  imediações  de  Natal, em  São  Gonçalo  do  Potengi, onde  Antonia  de  Freitas  batizou  cinco  filhos, no  período  1695  a  1706.
 Quando  o  Sargento-Mór  de  Entradas  MANOEL  NOGUEIRA  faleceu  em  sua  fazenda  "Outeiro"(Onde hoje é o "Quadro da Rua")  em  17  de  Janeiro de  1715, toda  a  várzea  do  Apody, do  sítio "Boqueirão" aos  sítios  "Santa  Rosa"  e  "Santa  Cruz"  já  estava  de posse  e  domínio  de componentes  de  sua  família  -  filhos, cunhados  e parentes  afins. Foram  os  primeiros  curraleiros.  Os  índios  do  Apodi, que no início  da  colonização  "fervilhavam  como  formigas"  nas  margens  da  lagoa  Itaú (Depois lago  Pody, e  lagoa  Apody)  e  dos rios  Panema  Grande (Depois  rio  Apody)  e  Paneminha (Depois  rio  Umary), sempre  foram  alvos  da  sanha  dos  conquistadores  e  dos  aventureiros, que  não  sossegaram  enquanto  não  eliminaram  ou  segregaram  o  último  sobrevivente  dessa  raça  nativa.
ÍNDIO TAPUIA PAIACUS(Pintura de Eckhout Ano-1641)

 TAPUIA PAIACUS - ÍNDIOS ANTROPÓFAGOS
(Segundo o Historiador Marcos Pinto,
essas pintura poderiam terem sido pintadas pelo grande pintor
holandês  Alberto van der Eckhout  ao redor da lagoa do Apodi no ano de 1641)
O GENTIO  INDÍGENA  da  região  do  Apodi  era  constituído  de  05  etnias  e  uma  nação:  Tapuias  paiacus, Paiins, Icós, Icosinhos, Janduís  ou  Janduins, e  Canindés ,  da  nação  Tarairiús,  distribuídas  em  várias  tribos  e  malocas  ao  longo  do  território  apodiense.  O criatório  de  gado  bovino  consistiu  na  primeira  atividade  econômica  do  Apodi, tendo  sido  o  principal  argumento constante  dos  requerimentos  das  famosas  "Datas  de  Sesmarias",  quando  alegavam  que  precisavam  situar  seu  rebanho  bovino, ou que  já  se  achava  com  seus  currais  instalados  nas  terras  requeridas.  De um lado os índios eram acossados pelos sesmeiros/curraleiros, exploradores  que,  muito  bem  armados, promoviam  a  guerra  para  expulsá-los  dos seus  territórios, e  vender  os  prisioneiros  aos  fazendeiros  e senhores  de  engenho  de  Pernambuco  e da  Bahia.  Do  outro  lado, eram  subjugados  à  ação  nefasta  dos  padres  e  dos  seus  colaboradores,  que  no  afã  de  impor  a  língua  portuguesa  e  difundir  a  religião  católica, ao tempo  em  que  lhes  ofereciam  proteção, desestruturavam  as  bases  de  sua  cultura,  tanto  do  ponto  de  vista  material  como  espiritual, transmitindo-lhes  ensinamentos  de  obediência  a  um  Deus  diferente  dos seus  -  que  não  permitia  a  nudez, a  poligamia,  a  selvageria, a  antropofagia  e  outras  práticas  por  eles  adotadas  -  e  ao  colonizador, que  nunca  os  entendeu  e sempre  os  perseguiu.