terça-feira, 19 de novembro de 2013

1881, descrição de Angicos (II)

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN e membro do IHGRN e do INRG
Vista a parte histórica, no artigo anterior, vejamos agora como foi descrita a Vila de Angicos nas suas outras partes, pela Câmara Municipal. Antes disso, um pequeno comentário sobre essa parte histórica. Alguns desses vereadores descendiam dos primeiros habitantes daquela Região de Angicos. Entretanto, não mencionam outros personagens que contribuíram para o nascimento de Angicos. O presidente da Câmara Manoel Fernandes da Rocha Bezerra que casou com minha tia-bisavó, Maria Xavier da Costa Torres, era neto de Balthazar da Rocha Bezerra, mas não fez menção que a Fazenda Angicos, antes de ser vendida ao tenente Antonio Lopes Viégas, pertenceu ao Coronel Miguel Barbalho Bezerra, como provou Aluízio Alves. O vereador, cadete José Avelino Martins Bezerra, tetraneto de João Barbosa da Costa, não contribuiu com nenhuma informação sobre seu tetravô, ascendente da maioria dos angicanos daquela época. Aliás, a História de cada município do Rio Grande do Norte precisa ser revista, pois ela é contada por pessoas que não se dedicaram ao exame mais detalhado dos documentos mais antigos. Para exemplificar, boa parte dos documentos do Assú, tanto dos cartórios como da Igreja, estão perdidos. Mais ainda, os que restaram continuam esquecidos e descuidados pelos seus responsáveis, que não se preocupam nem em digitalizá-los.

Topografia: Esta Vila está situada à margem esquerda do Rio Pata-chó (em vários documentos mais antigos da Província, tenho encontrado o nome do rio com sendo Pata-choca). Nome de antiga tribo de índios, que pararam por estes Sertões (vários autores contestam a passagem dos Pataxós, por aqui). A Vila ocupa a maior parte de um terreno plano e arenoso de 800 metros em quadro.

Conta-se duas pequenas ruas, largas e bem arejadas, e mais três alinhamentos de boas casas que formam o Adro da Matriz, bonito e decente edifício. Ao Nordeste confronte a mesma acha-se a cadeia pública ainda em obra, tendo boa sala livre, onde funciona a Câmara Municipal. Ao Sueste (Sudeste), no mesmo quadro está a Casa do Comércio, edificada ultimamente as expensas dos socorros públicos, que embora não concluída, de muito tem servido, não só para cômodo dos viajantes, como aos negociantes do lugar e seus subúrbios. Ao Levante, vê-se o alto e majestoso Pico do Cabugi, que semelhante ao antigo telégrafo nos anuncia as chuvas pelos cúmulos de nuvens em sua mais elevada extremidade, onde por singularidade, com dificuldade, foi colocado um poste com o respectivo para raio. Ao Leste Setentrião e Ocidente, observam-se diversos serrotes de granito que concorrem ao longe para formar-se da pequena Vila mais avultada ideia. Do centro da situação observam-se diversas casas de telhas, dos maiores Altos Monte Alegre, Favela, Espírito Santo, Coração de Jesus, e Fazenda Nova, propriedades e benfeitorias dos mais abastados do lugar. Finalmente ao Oeste, 100 metros das últimas casas, encontra-se o açude do Glorioso Senhor São José Padroeiro da Freguesia, edificado pelo Reverendo Ibiapina, nas Missões de 1862, obra atualmente em ruínas, que serve apenas para conservar a frescura do terreno, útil aos plantadores de vazantes.

População – Segundo o último recenseamento, consta a população livre de 5. 500 almas, e a escrava de 180. Desta população, apenas habitam a Vila, 300 almas, compreendidas 13 escravos.

Agricultura – Lavoura – Consiste na cultura de mandioca, algodão, milho, arroz, feijão melão e melancia, além de diversos legumes. Criação – A grande criação consiste de gado vacum, cavalar, lanígero, e cabrum. A pequena criação limita-se às aves domésticas.

Indústria Fabril – A indústria fabril é de pouca importância atualmente, consistindo apenas em pouca farinha de mandioca, obras de olaria, como sejam louças de barro, telhas e tijolo de alvenaria; há também tecidos grossos de algodão.

Comércio – A exportação é pouco e limita-se ao algodão e gado vacum; devida esta escassez aos efeitos da calamitosa seca de 1877 e 1879. A importação também é de nenhuma importância, limitando-se a pequena negociação de molhados e fazendas.

Instrução – Para a instrução primária há duas escolas, sendo uma do sexo masculino criada por Resolução Provincial no ano de 1833, e uma do sexo feminino criada por Lei Provincial nº 497, de 4 de maio de 1860.

Divisão eclesiástica – Pertence este Município à Diocese de Olinda, e contem uma só Paróquia denominada São José dos Angicos, a qual desmembrada da de Santana do Matos, foi criada por Resolução Provincial no ano de 1836; e tem sido administrada por três Vigários, sendo dois encomendados e um colado, os Reverendos Manoel Antonio dos Santos Morais Pereira Leitão, Manoel Januário Bezerra Cavalcanti, e Felis Alves de Sousa, pelo primeiro de 1836-1839, pelo segundo de 1839-1844; e pelo terceiro de 1844 até o presente.

Obras públicas – Paço da Câmara Municipal, a Casa do Comércio e o Cemitério.

Distâncias – Dista esta Vila da capital da Província de 42 léguas; as distâncias às Vilas e Cidades dos Municípios confinantes são as seguintes: à Vila de Santana do Matos, 8 léguas ao Sudeste; à cidade do Assú, 8 léguas ao Noroeste; à cidade de Macau, 14 léguas poucos graus abaixo do Norte.

Agora, duas sugestões: que nossas universidades e faculdades ajudem os municípios na reconstituição de suas verdadeiras histórias; que os municípios digitalizam os documentos antigos, ainda existentes em suas sedes. Educação é muita mais que prédios, merenda escolar, bolsas, e bibliotecas.